Compositor e acordeonista, Fernando Ávila é uma das figuras talentosas do cenário musical gaúcho.
Desde 2008 se dedicando ao instrumento, o músico tem conquistado ouvintes e construído uma bela carreira não só como um grande instrumentista, mas também por realizar encontros entre acordeonistas dos mais variados estilos, desde o regionalismo, jazz e música de concerto.
Graduado em Música Popular pela UFRGS, Ávila lançou recentemente seu primeiro trabalho solo, A Lua de Santiago, e foi também um dos integrantes do grupo Arte Gaúcha.
Conheça um pouco mais sobre a história deste grande profissional da música na entrevista que o Conversas em Compasso realizou.
Boa leitura!
Como e há quanto tempo você iniciou nesse imenso mundo da música?
Eu iniciei meus estudos musicais há 11 anos, em 2008. Em 2004 meu irmão mais velho conseguiu um acordeon emprestado com a minha cunhada e perguntou se eu teria interesse de aprender e respondi que sim, mas fiz poucas aulas e desisti.
Em 2008 é que eu comecei realmente a me dedicar ao estudo da música e do acordeon, em Montenegro / RS, na Fundação Municipal de Artes de Montenegro – FUNDARTE, com o professor Adriano Persch.
Quais são as suas influências, e o que inspira você no seu trabalho?
Toco acordeon porque cresci ouvindo música tradicionalista, música regional do RS, isso influenciou muito meu gosto pelo acordeon/gaita/sanfona.
No decorrer dos estudos fui ampliando meus horizontes sonoros e passei a conhecer acordeonistas estrangeiros, bem como outros instrumentistas, mas minhas principais referências no acordeon são Albino Manique, Oscar dos Reis, Edson Dutra, Irmãos Bertussi, Luciano Maia, Frank Marocco e Richard Galliano. Por outro lado, também são minhas influências Astor Piazzolla e Luiz Gonzaga.
O que costuma escutar em casa?
Sempre estou ouvindo música em casa. Gosto de ouvir Piazzolla, Bee Gees, Richard Galliano, Bach e outros compositores do período barroco. Hoje eu estava ouvindo o Concerto n°2 para piano e orquestra de Sergey Rachmaninoff, é o meu concerto para piano preferido, algo de se emocionar muito.
De onde veio a inspiração para criar o belíssimo disco A Lua de Santiago?
A inspiração inicial foi gravar minhas composições em formato de música de câmara, com quinteto de cordas, baseado no trabalho do acordeonista paulista Toninho Ferragutti, e de letra baseado no trabalho antecessor de Sivuca. Porém, o nome do CD só surgiu quando o menino Santiago, filho do meu amigo Róger Wiest, mostrou a lua cheia no céu em um final de tarde.
Aquele momento me marcou bastante porque se tratava de uma criança de 3 anos de idade chamando a atenção de um adulto para contemplar a beleza das simples coisas. É o olhar infantil sobre a vida.
Além disso, Santiago recebeu este nome por causa do personagem do livro O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway, o que me fez mergulhar no livro e buscar inspirações para a campanha de financiamento coletivo do meu disco, pois a vida do pescador Santiago atrás do seu grande peixe é como a vida do músico atrás da realização do seu trabalho.
Como é para você desenvolver melodias, harmonias e todo o processo criativo musical? De onde surgem as ideias para uma música? Há como citar algum exemplo?
Preciso ter tempo pra criar algo, sou muito demorado. A maioria das músicas do CD surgiram a partir de trabalhos de harmonia desenvolvidos no âmbito do curso de música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com os ensinamentos do falecido e memorável professor Fernando Mattos.
Eu sempre busco colocar em prática numa composição algum elemento novo que eu tenha aprendido e queira desenvolver, então criar algo é uma forma de assimilação de um conteúdo musical.
Algumas músicas eu componho com meu amigo Felipe Martini, e também teve a peça que dá título ao CD que foi composta em parceria com o maestro João Paulo Sefrin.
Como foi a receptividade do seu álbum?
Quem conhece o meu álbum acaba gostando. Não é uma sonoridade convencional para quem é adepto da gaita sulina.
Quem é muito admirador de música tradicionalista pode não gostar, mas eu atinjo outro público não costuma ouvir acordeon, é o público que gosta de música de concerto, enfim, que gosta de música.
Ainda falta muita divulgação, não consigo fazer tudo, mas aos poucos vou rodando com o CD, pois algumas oportunidades de concerto vão surgindo por causa dele.
Um exemplo são os dois concertos que irei tocar junto à Orquestra de Câmara da Unisc, agora em maio, nas cidades de Ijuí e Santa Cruz do Sul.
Em setembro tocarei um concerto com o Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo, importante grupo camerístico do país.
Com harmonizações complexas e arranjos de cordas, o resultado do disco ficou excelente. Qual foi a parte mais marcante no desenvolvimento deste trabalho?
Todo o processo de concepção e realização do projeto do CD foi marcante. A campanha de financiamento coletivo me desgastou muito, pois as pessoas ainda não têm consciência do valor que se deve dar ao trabalho artístico.
É muito fácil desejar boa sorte e sucesso em comentários do Facebook, mas dar-se o trabalho de apoiar o projeto no site por um valor mínimo de R$10,00 pouca gente faz.
Todavia, no final da campanha tive mais de 140 apoiadores, o que me alegrou muito, pois muitas pessoas não me conheciam.
E para citar algo que sempre lembro quando paro para pensar no período de gravações do CD, relato aqui as viagens de trem, de São Leopoldo até Porto Alegre, e depois as viagens de uber até o estúdio Dreher, no bairro Bom Jesus.
Durante estas viagens eu ia lendo o livro Um Estranho no Ninho, de Ken Kesey, e adentrava nas agruras da vida de pessoas internadas em um hospital psiquiátrico americano da década de 1960.
Você é conhecido também por ser um instrumentista virtuoso. Pode revelar os segredos para dominar o acordeon?
Se alguém me considera virtuoso, é uma pessoa muito generosa e bondosa. Não me considero virtuoso no acordeon, mas depende do conceito de virtuose.
Geralmente designamos este termo para pessoas que detém muitas habilidades no manuseio do instrumento, sobretudo habilidades de velocidade, o que não é o meu caso.
Acredito que há outros tipos de virtude musical, como, por exemplo, a expressividade, o asseio na articulação das notas e uma desenvoltura na agógica.
Quem tem estas habilidades, ao meu ver, também é um virtuose. É essa virtuosidade com a qual eu mais me identifico.
Como é ser indicado Prêmio Açorianos de Música 2019 na categoria Revelação do Ano? Você já esperava esse reconhecimento?
Fiquei muito feliz com a indicação, pois é um reconhecimento. Infelizmente não fui premiado.
Sinceramente, eu esperava mais indicações ao CD A Lua de Santiago. O trabalho do diretor musical e arranjador Felipe Adami foi fantástico, uma aula de arranjo para acordeon e cordas.
O trabalho dele deveria ter sido reconhecido e não foi, mas o que podemos esperar de um júri que não é composto por nenhum músico, apenas por jornalistas e produtores?
Não estou desconsiderando a qualidade dos jurados, estou criticando a organização do Prêmio Açorianos. Você já viu algum prêmio de jornalismo onde os jurados não são jornalistas, mas são músicos?
Muito relacionado às musicas tradicionalistas, o acordeon é um instrumento que por vezes acaba ficando um pouco fora dos “holofotes”. Como você o vê no cenário musical atualmente?
Vejo que o acordeon vive outro período áureo no Brasil e quiçá no mundo.
O primeiro momento áureo do acordeon no Brasil foi nos anos de 1950 até a década de 1970, concomitantemente com o sucesso de Luiz Gonzaga e o surgimento do Tradicionalismo no Rio Grande do Sul, depois a guitarra e tudo que veio no bojo dela (Jovem Guarda, Rock and Roll) suplantaram o acordeon.
Dos anos 2000 pra cá, o acordeon retomou seu espaço de destaque por uma série de motivos.
Veio uma nova geração de acordeonistas, o instrumento voltou a cair no gosto dos jovens, ao passo as facilidades para adquirir o instrumento também aumentaram, pois começaram a surgir comerciantes que importam os acordeons europeus.
O ensino do instrumento evoluiu, no sentido de uma maior facilidade de acesso a informações. Ao mesmo tempo a música sertaneja passou a utilizar mais o acordeon na sua instrumentação e hoje o mercado de trabalho para o acordeonista se ampliou ainda mais.
Você promove encontros de músicos de diversos estilos? O que dá para tirar de cada reunião? Há mais eventos do tipo previstos?
Juntamente com a Presto e o Sesc São Leopoldo promovemos o Encontro Nacional de Acordeon Presto Sesc, do qual sou coordenador artístico e idealizador.
O objetivo do evento é proporcionar um espaço de reflexão e troca de conhecimentos sobre acordeon por meio de master class, workshop, oficina, mesa redonda e concertos com acordeonistas de destaque, tudo gratuitamente.
Infelizmente para este ano não está prevista a quarta edição do Encontro.
Como funciona o trabalho com o Grupo Arte Gaúcha?
Não toco mais no grupo Arte Gaúcha porque me mudei para Santa Maria, mas o período em que toquei no grupo foi de extrema importância para mim, pois pude ter a experiência de tocar com quarteto de cordas e elaborar alguns arranjos.
Ao mesmo tempo pude tocar um repertório lindo do cancioneiro gaúcho ao lado de ótimos músicos, o que me proporcionou muito aprendizado.
Músicos praticam diariamente. São rotinas de estudos, exercícios e aplicação de técnicas que aperfeiçoam o trabalho do artista. Quais são as suas rotinas de estudo musical?
Respiro música.
Todo o tempo eu penso sobre música. Infelizmente não consigo mais ter a rotina de prática diária do acordeon como eu tive anos atrás, mas como estudo Licenciatura Plena em Música na Universidade Federal de Santa Maria e Especialização em Música na mesma universidade, estou sempre estudando música, seja na prática ou na teoria.
Como você vê a Presto inserida no seu trabalho?
A Presto ajudou a alavancar meu trabalho como professor de acordeon e também como músico. Ali pude conviver com a professora Lucia Passos e com o Ailton Abreu, e essa convivência me ensinou não apenas sobre música, mas sobre a vida.
Trabalhar com profissionais gabaritados e humanos só pode nos trazer coisas boas, pois todos crescem juntos. Na Presto pude conhecer muitas pessoas do meio musical, como o maestro João Paulo Sefrin e o Madrigal Presto, o que acarretou na participação deles no meu CD.
Como diz a querida Lucia, “somente pessoas boas ficam na Presto”.
Você indicaria a Presto para quem tem o sonho de ser reconhecido no mundo da música? Por quê?
Sem dúvidas eu indico. A Presto valoriza a música, valoriza as pessoas, valoriza o conhecimento.
Certa vez, ouvi a seguinte frase de uma pessoa que é dona de uma escola de música em outra cidade e que fazia aulas de técnica vocal com a professora Lucia: não adianta uma escola de música ter uma infraestrutura grande e um visual encantador, o que faz a diferença é o profissional que ministra a aula, e na Presto é assim.
Quais são os planos para o futuro? Um novo álbum? Apresentações? Parcerias?
O meu novo projeto se intitula Por Dentro do Fole, e será uma série de vídeos para o youtube no quais vou expor minhas ideias e compartilhar conhecimentos acerca do acordeon.
Outro projeto em andamento é a minha pesquisa sobre acordeon de concerto no Brasil que está sendo realizada no âmbito da Especialização em Música da Universidade Federal de Santa Maria.
No que tange aos palcos, sigo divulgando o CD A Lua de Santiago com concertos acompanhado de quinteto de cordas ou orquestra de cordas, agregando a isso as master classes que estou ministrando e que são uma faceta do meu projeto Por Dentro do Fole.
Além disso, venho desenvolvendo outro novo projeto que é voltado para apresentações solo de acordeon em cafés e restaurantes, chamado Acordeon Café, sendo o Café do MARGS, em Porto Alegre, o principal endereço destas apresentações que trazem valsas francesas, tangos, milongas, chamamés e um pouco de música americana no repertório.
Agenda de Fernando Ávila
15/05 – Concerto com a Orquestra de Câmara da Unisc, em Santa Cruz do Sul/RS
18/05 – Acordeon Café no Café do MARGS, em Porto Alegre/RS
25/05 – Master class de acordeon na Unijuí, em Ijuí/RS
26/05 – Concerto com a Orquestra de Câmara da Unisc, em Ijuí/RS
4 e 5/06 – Master class de acordeon na Uniplac, em Lages/SC
14/06 – Concerto com quinteto de cordas no Teatro Treze de Maio, em Santa Maria/RS
26/09 – Concerto com o Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo, em São Paulo/SP